25 dezembro 2010

Olhar para o céu em certos momentos não é nada mais que seguir por um desvio sem importância, um acaso sem romantismo, pensava. Nada de olhar para o céu buscando entendimentos de mistérios, estrelas cadentes. Olhar para o céu pode ser simplesmente uma necessidade de movimentar o pescoço. Ele olhou para cima quando fechava o portão e viu um pássaro, assim um pouco maior que uma pomba, que se ia, num voo macio, mas... Houve ali, ele sentiu, um momento de dor, lancinante. Uma dor que provinha de além do que ele vivia e do voo que o pássaro fazia. A noite é que doía, sim, quem sabe assim num momento apenas, rápido, fugaz. Ou talvez fosse o dia que se enterrava sabe se lá onde, na encosta de uma montanha distante, triste. Merda! Doía nele uma outra coisa que não a dor. Merda! Por que foi ver aquele pássaro? Aquele pássaro na noite, aquele pássaro tão alto, aquele pássaro solitário, aquele pássaro sem rumo. Assim, sem mais nem menos, cansado, depois de um longo dia de trabalho, ao ver o pássaro, vinha-lhe a vida. Ah, vida boa mesmo é aquela que se vive como numa festa quando não se sente que se vive. A chave caiu-lhe da mão, no canteiro do pequeno e feio jardim, ocupado que estava em trancar o portão. Abaixou-se para apanhá-la, foi tateando entre as folhagens dos lírios da paz sem nenhum lírio.

5 comentários:

  1. São tantos significados que este texto, os seus textos, me passam. Eles sempre mexem um pouco, me dão uma pausa no respirar.

    "Doía nele uma outra coisa que não a dor" - Já senti isso e não sabia dizer, quando olhar o céu, ouvir uma música, olhar o horizonte....e o pensamento vai por caminhos que não sabemos quais são, mas que dói.

    abraço!

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  2. A gente tenta não pensar e só olhar sem nada pensar...Mas é mesmo uma droga - o pensamento - é uma droga básica e invasiva e imperativa.

    Ler seu texto me faz pensar, ainda que eu não queira olho um céu qualquer que há aqui e um pássaro que me lembra coisas que vão, ou que doem sem ser dor.

    Então deixo a palavra vir e ir como lírios da paz ou apenas folhagens de lírios que não se abriram ainda.

    beijo

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  3. Olhar o céu
    é dispensar no infinito
    dois gritos,
    um de paz, outro de solidão
    pelo oblíquo instante
    do dia,
    pela abstrata hora
    da noite.

    Contos e palavras pelo revés de nós. Eu tenho sede de palavra, e durmo na rede das sílabas, cambaleantes e estendidas num sustenido de verso que meu coração de bêbado tece.

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  4. Depois que liguei meu computador e vi que 140 textos meus tinham sumido repentinamente, decidi recolocar o que sobrou novamente no blog, Dauri. Ainda me restaram oitocentos e poucos textos, mas perdi muita coisa que considerava interessante. Foi triste, fiz de tudo, mas tomei este fato como um incentivo a mais. Não se engane. Esta voz do blog de ultimamente é uma voz antiga, de textos que ultrapassam oito anos de escrita. Mas, invariavelmente, são meus, e por assim serem, não deixam de me revelar também.

    Daqui gosto e você sempre soube. Admiro tua palavra. Tua presença é sempre importante.

    E sim, Dauri Jack, meu amigo, continuemos, pois eis.

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  5. Estou sempre lendo por aqui, aprendendo as tuas palavras, sentindo e apreciando devagarinho. Abração

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