21 agosto 2010

O ônibus seguia devagar pela Reta da Penha no fim do dia. A tristeza do entardecer, era agosto, se enlaçava com o chuvisco frio soprado pelo vento sul. Seguia sentado e encolhido com a mochila no colo e um livro na mão, que não lia. Sua professora da época da alfabetização estava ali no ônibus também. Deu-se com ela de repente, ali bem perto, no outro lado do corredor. Corou-se de vergonha e encolheu-se ainda mais sob a mochila, encobriu-se com o livro. Passou a mão esquerda sobre o rosto e as espinhas e a barba esparsa, de dias, tinham tramado um incêndio ali. Ao parar no próximo ponto, aquele perto da igreja de Santa Rita, o ônibus deu-lhe a oportunidade. Rápido alcançou a porta e saltou.

17 agosto 2010

Você não precisa voltar, disse o dono da loja de ferragens, aproveite o restante da tarde do jeito que achar melhor. Quando saiu do consultório do dentista sentia-se feliz. Aproveitar a tarde, dizia contente para si mesmo. Saiu andando pela Nossa Senhora dos Navegantes, sorrindo de modo estranho, efeito da anestesia, encobrindo o sorriso com a mão para que outros não percebessem a boca torta. Era terça feira. Passou pelo ponto de ônibus e seguiu, foi na direção do pier, andou até o final, abriu os braços em cruz pra vazar o vento, ficou ali uns minutos e voltou. Sentou-se num banco ao lado do pier e pôs-se a olhar o mar. Passava um navio conduzido pelo rebocador. Bem poderia ir para casa e dormir, descansar, ver TV. Não, a casa era um quarto e banheiro. Ficava deprimido em casa. Queria ir para casa, precisava ir, lavar a roupa acumulada, dar um jeito naquela bagunça, mas preferia ficar. Veio um sujeito e sentou-se ao seu lado.

07 agosto 2010

A noite se instalara, uma sombra de vento frio soprava na janela  do prédio fazia já uma boa hora. Um leve assovio se produzia ali. Não sentia vontade senão de ficar olhando para aquela cena congelada de um filme na tela do computador. Abriu a carteira e contou as notas sem tirá-las do lugar. Voltou para a imagem congelada. Uma montanhas amarronzadas e suaves se antecipavam aos caminhos distantes do azul, do cinza das outras montanhas bem mais altas. Depois delas o horizonte. Abriu de novo o e-mail e demorou-se ali. Voltou para a cena do filme, as montanhas. Passara de muito a hora de voltar para casa. A mãe sozinha o esperava com cuidados que não lhe animavam nem lhe incomodavam. Chegaria tarde e ela o estaria esperando. Sentia que devia tomar uma decisão, descongelar o filme, se ir... e escolher o caminho da rodoviária ou o caminho de casa.