25 dezembro 2010

Olhar para o céu em certos momentos não é nada mais que seguir por um desvio sem importância, um acaso sem romantismo, pensava. Nada de olhar para o céu buscando entendimentos de mistérios, estrelas cadentes. Olhar para o céu pode ser simplesmente uma necessidade de movimentar o pescoço. Ele olhou para cima quando fechava o portão e viu um pássaro, assim um pouco maior que uma pomba, que se ia, num voo macio, mas... Houve ali, ele sentiu, um momento de dor, lancinante. Uma dor que provinha de além do que ele vivia e do voo que o pássaro fazia. A noite é que doía, sim, quem sabe assim num momento apenas, rápido, fugaz. Ou talvez fosse o dia que se enterrava sabe se lá onde, na encosta de uma montanha distante, triste. Merda! Doía nele uma outra coisa que não a dor. Merda! Por que foi ver aquele pássaro? Aquele pássaro na noite, aquele pássaro tão alto, aquele pássaro solitário, aquele pássaro sem rumo. Assim, sem mais nem menos, cansado, depois de um longo dia de trabalho, ao ver o pássaro, vinha-lhe a vida. Ah, vida boa mesmo é aquela que se vive como numa festa quando não se sente que se vive. A chave caiu-lhe da mão, no canteiro do pequeno e feio jardim, ocupado que estava em trancar o portão. Abaixou-se para apanhá-la, foi tateando entre as folhagens dos lírios da paz sem nenhum lírio.

22 dezembro 2010

Atravessar de um lado para o outro por sobre ferros e futuros sonhos de vida feliz, um apartamento, aumentava-lhe os pensamentos. O mundo ao redor era bonito, lá longe, enquanto paisagem. O prédio anida era só um monte. Um monte de coisas e de suor e de pensamentos. Quem sabe as almas de quem morar nele façam dele outra coisa além de um monte. De nada valiam tantos pensamentos senão para construir palavras de ar, essas que não se falam. Palavras que se falam ganham força de sabão, de soda. Não sabia se isso era verdade. Ali seria um apartamento com vistas para o mar e o porto. Mas ainda era somente um monte de coisas. Aqui o quarto, ali a sala, sabia ao imaginar o espaço já dividido lá nos primeiros andares. O uniforme era verde e o capacete azul. De que valia reparar as cores. Via um colega seu, uma máquina de trabalhar, um espelho, as mesmas roupas, os mesmos gestos, talvez pensamentos parecidos. O céu azul azul se perdia, fugia de sua cabeça, mesmo que estivesse já na altura do décimo quinto andar, por ai. Mas o que lhe vinha à mente agora era uma frase desconexa, uma conversa que teve no bar com seu amigo que lhe devia um dinheiro. O sujeito sempre se desdobrava em promessas de que pagaria a dívida, mas nunca pagava. Subiu-lhe uma raiva e uma vontade de se mandar daquela obra. Continuou executando sua tarefa, nem via o que fazia, mas fazia e fazia bem feito, com agilidade. Se bem que não era muito dinheiro, quinze reais, mas rapaz, não dá pra deixar para lá.