26 julho 2010



Era por volta das três da tarde, voltava mais cedo para prender os bezerros, e enquanto passava por um trecho de mata se viu atraída por umas flores lilás. Colheu alguns galhos com aquelas flores miúdas e sem cheiro especial, depois no brejo colheu umas brancas, estas exageradas no perfume doce. Levava-as nas mãos grossas quando se deu por conta da idade que tinha, a consciência lhe veio abrupta com a recordação de que já tinha 30 anos. Ainda não casara. Achou-se enraivecida consigo mesma por colher aquelas flores, jogou-as no chão e se foi. Sentia agora ainda mais claramente e forte os desejos do sexo. Acertou a calça que usava puxando-a para a cintura, arregaçou as mangas da blusa, tirou e recolocou o chapéu, acelerou o passo e ansiou pelas águas limpas e macias do córrego, as pedras lisas, o sabão, as silenciosas ingazeiras.

17 julho 2010



Ouvira um sino, ou um tilintar de alguma coisa como um sino, mas bem parecia o sino de um mosteiro sobre um outeiro. O dia andava lento e descompassado por estradas de cores nubladas. Queria estar trabalhando, cumprindo horário, alegre por ver chegar a hora de ir embora e receber o abraço da filha, e até mesmo a cara emburrada da mulher que ele exigia não trabalhar, senão na administração da casa. Perdera o emprego há meses e outro ainda não se anunciava. Estava ali, sozinho, sentado à mesa, e com a sensação de ouvir um sino. Sentira-se triste na visita uma vez ao mosteiro zen no alto do monte em dia nublado. Estranhos desejos de morrer. Não. Sim. Não. O que tinha era um abacate partido, verde brilhoso e macio, bonito assim em duas partes, a faca ao lado marcada por pequenos pedaços de sua carne.

12 julho 2010



Lembrava-se de um enterro, sábado de chuva fina e lama nos sapatos. Para além da difusa lembrança o que conseguia distinguir era uma espécie de tédio, uma ausência de sentido, um rastro de dor pesada. Quem morreu? Movia-se a cortina levemente, a janela estava entreaberta, e o chilreado dos passarinhos era mais forte do que de costume. Acordara, sim, a vida continua, meu Deus! Na boca dissolvia-se a língua em grossa saliva, os pensamentos em leveza de avestruz. Tinham lhe dado algum remédio.

10 julho 2010



Estava ali um esboço de vida sem estilo sobre a mesa, o troco do pão, uma nota de cinco reais e cinco moedas. A nota se levantava na extremidade esquerda e ao lado do cinco no meio da cédula as moedas colocadas irregularmente formavam uma leve e bonita escada em que os últimos degraus eram as duas moedas de um real. Quisera ser arquiteto, mas fez o concurso para o banco do Brasil. A manhã lhe apertava ainda mais os momentos com desejos de cavalos soltos e muito vento, de tanque de gasolina cheio e dias vazios, de praias no azul leve de setembro e olhares de horizonte. Tomou a xícara de café, levantou-se e se foi. O cadarço estava solto, abaixou-se para dar-lhe o laço, sentiu uma lancinante pontada nas costas.

09 julho 2010



A flor pendia sobre a parede que a absorvia duplicada. Uma cinza, outra quase do mesmo tom da parede. A haste fina brilhava verde suportando um sol bem amarelo, a flor. Na parede tornavam-se dois sóis apagados. Ali estavam três flores, uma de vidro e duas sombras. Levantou-se, aproximou-se, viu que o amarelo lustroso de uma pétala da flor tocava, quase, a sombra mais forte na parede. A outra, clarinha, parecia a possibilidade de outros modos de sofrer.


08 julho 2010



No escuro, no fundo dos olhos há certas possibilidades, dentre elas aquelas que surpreendem,  forças que podem envergar o aço do olhar; pareceu-lhe. Ele olhou e desvelou-se na filha de quatro anos recuada no canto da sala sobre o piso frio, um reflexo, atravessada pelos gritos da briga. Uma haste de ferro deslizou-se de seus eixos em amolecimentos ali, em algum ponto nas geografias do seu corpo, por um momento. Logo, no entanto, aquela visão se desvaneceu.

06 julho 2010




Pesava-lhe um tormento o que tinha pra fazer. Esperava no ponto de ônibus apalpando as moedas no bolso da calça, fazendo todavia contas bem maiores, aquelas que tinha que pagar. Respirou fundo, não deu pé, olhou para um lado, para o outro sem saber o que queria ver, queria sim um dia livre no peito em que o coração fosse passarinho solto. Fez contas menores com as moedas, chuviscava, o dia frio se ia por volta das 15 horas, seria bom um café, ah, o aroma, a xícara e o pires na mão sem sobressaltos. Mas além do que seria necessário para a passagem o que restava mal pagava um chiclete.