09 setembro 2010

Aconselharam-no a ficar mais em casa, dar mais tempo à esposa, aos filhos. A casa contudo dava-lhe infelicidades inexplicáveis. Sentia um volume na boca do estômago, uma acelerada necessidade de tomar café, beber água sem sede. Controlava-se, mas vencia-se no sacrifício, na dor. Talvez não tivesse natureza para casamento, para família. Sentava-se diante da TV e nada; brincava com as crianças e nada; cuidava do carro, nada; remodelava o jardim, nada. Nada dava-lhe a sensação de bem estar, descanso,  prazer de viver, satisfação. Não era agressivo, não brigava com as crianças, mas sonhava com a hora de ir à padaria, ao supermercado, ou coisas do tipo. Bom era ir para o trabalho no porto, estar em contato com o mar, os navios, a maresia, os guindastes. Ja cumpria com o dever de estar com a família nos dias de folga há um bom tempo, mas não encontrava-se consigo mesmo naquela casa. Um dia, ao amanhecer, encontrou um bilhete deixado pela esposa sobre a mesa do café. Era domingo, o sol tingia o céu de um azul de enlouquecer. Estava escrito, não aguento mais esta vida, vou embora. Logo pretendo voltar para buscar as crianças, enquanto isto cuide delas. Com amor, L D.