09 setembro 2010

Aconselharam-no a ficar mais em casa, dar mais tempo à esposa, aos filhos. A casa contudo dava-lhe infelicidades inexplicáveis. Sentia um volume na boca do estômago, uma acelerada necessidade de tomar café, beber água sem sede. Controlava-se, mas vencia-se no sacrifício, na dor. Talvez não tivesse natureza para casamento, para família. Sentava-se diante da TV e nada; brincava com as crianças e nada; cuidava do carro, nada; remodelava o jardim, nada. Nada dava-lhe a sensação de bem estar, descanso,  prazer de viver, satisfação. Não era agressivo, não brigava com as crianças, mas sonhava com a hora de ir à padaria, ao supermercado, ou coisas do tipo. Bom era ir para o trabalho no porto, estar em contato com o mar, os navios, a maresia, os guindastes. Ja cumpria com o dever de estar com a família nos dias de folga há um bom tempo, mas não encontrava-se consigo mesmo naquela casa. Um dia, ao amanhecer, encontrou um bilhete deixado pela esposa sobre a mesa do café. Era domingo, o sol tingia o céu de um azul de enlouquecer. Estava escrito, não aguento mais esta vida, vou embora. Logo pretendo voltar para buscar as crianças, enquanto isto cuide delas. Com amor, L D.

4 comentários:

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  2. Tem horas que dá mesmo vontade de fugir, de ir embora, ainda mais com o "céu de uma azul de enlouquecer". Sair pelo mundo, andar, e andar, e andar...

    Sabe, Dauri, estes dias estava pensando em fazer uma postagem sobre a vontade de fugir, e terminar perguntado se mais alguém tem essa vontade de fugir, de sair pelo mundo...acho que sou um tanto nômade, um tanto louca rsrs

    Ah, nem foi por esses dias, foi ontem de madrugada...lembrava de quando pegava o ônibus só para fazer um percurso maior, ou saia do colégio andando por ruas sem destino....

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    A cada leitura que faço dos seus textos, dos seus poemas, me espanto, me admiro, me surpreendo, com sua capacidade de criação literária.

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  3. e também com o fôlego, Paulinha, o fôlego deste aedo de tantos e belos lados, poeta múltiplo.

    Nesse texto eu encontrei o jovem que fui...
    Agora, fugir, só pra dentro de mim.
    Gostaria, se pudesse, de fulgir, em luz interior e serena.
    Gostaria...

    Abraçamigo, Poeta.
    Abraçamigo, Paulinha, menina alada.

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  4. Impressionante como certos textos nos servem de espelhos. Mas você vai além e nos revela outras faces... de você? de nós-leitores? Enfim, você, meu amigo, continua irretocável em suas palavras, e, pelo visto, fiel à Poesia possível. Trabalho silêncios, ou em silêncio, ainda, e um dia venho à tona, com o que conseguir trazer em minhas algibeiras furadas lá do fundo, lá do fundo do coração. Um abraço.

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