17 julho 2010



Ouvira um sino, ou um tilintar de alguma coisa como um sino, mas bem parecia o sino de um mosteiro sobre um outeiro. O dia andava lento e descompassado por estradas de cores nubladas. Queria estar trabalhando, cumprindo horário, alegre por ver chegar a hora de ir embora e receber o abraço da filha, e até mesmo a cara emburrada da mulher que ele exigia não trabalhar, senão na administração da casa. Perdera o emprego há meses e outro ainda não se anunciava. Estava ali, sozinho, sentado à mesa, e com a sensação de ouvir um sino. Sentira-se triste na visita uma vez ao mosteiro zen no alto do monte em dia nublado. Estranhos desejos de morrer. Não. Sim. Não. O que tinha era um abacate partido, verde brilhoso e macio, bonito assim em duas partes, a faca ao lado marcada por pequenos pedaços de sua carne.

4 comentários:

  1. Sonhos esquecidos como um abacate partido sobre a mesa. Dá prá pensar em várias hipóteses aqui.



    Este teu texto me fez lembrar uma música do Milton Nascimento que eu adoro na voz da Fernanda Takai. - Um gosto de sol, do CD 'flores do clube da esquina'.

    um beijo

    ResponderExcluir
  2. Grande Dauri,

    não conhecia tuas outras casas. Me soam como vendavais novos e perfeitos. Gosto demasiado do que tu escreves, sem nenhuma espécie de tietagem. O certo é que nada aqui é desprezável. Lugar de ficar.

    Dauri, aproveitando o cataclisma, quero te convidar a ser um dos Homens Hediondos. Seria um prazer imenso tê-lo conosco. Acesse www.homenshediondos.blogspot.com , leia o Manifesto e depois de me diga alguma coisa. Começamos esta semana.

    Aguardo resposta.
    Abraço.

    ResponderExcluir
  3. Kurosawa, em prosa poética. Imagens surpreendentes, insólitas, daurianas...

    Abraçamigo e fraterno.

    ResponderExcluir
  4. às vezes sinto: "estranhos desejos de morrer", como se fosse eu partida, feito este abacate, em duas partes...

    duas partes... tantas partes!

    ResponderExcluir