22 dezembro 2010

Atravessar de um lado para o outro por sobre ferros e futuros sonhos de vida feliz, um apartamento, aumentava-lhe os pensamentos. O mundo ao redor era bonito, lá longe, enquanto paisagem. O prédio anida era só um monte. Um monte de coisas e de suor e de pensamentos. Quem sabe as almas de quem morar nele façam dele outra coisa além de um monte. De nada valiam tantos pensamentos senão para construir palavras de ar, essas que não se falam. Palavras que se falam ganham força de sabão, de soda. Não sabia se isso era verdade. Ali seria um apartamento com vistas para o mar e o porto. Mas ainda era somente um monte de coisas. Aqui o quarto, ali a sala, sabia ao imaginar o espaço já dividido lá nos primeiros andares. O uniforme era verde e o capacete azul. De que valia reparar as cores. Via um colega seu, uma máquina de trabalhar, um espelho, as mesmas roupas, os mesmos gestos, talvez pensamentos parecidos. O céu azul azul se perdia, fugia de sua cabeça, mesmo que estivesse já na altura do décimo quinto andar, por ai. Mas o que lhe vinha à mente agora era uma frase desconexa, uma conversa que teve no bar com seu amigo que lhe devia um dinheiro. O sujeito sempre se desdobrava em promessas de que pagaria a dívida, mas nunca pagava. Subiu-lhe uma raiva e uma vontade de se mandar daquela obra. Continuou executando sua tarefa, nem via o que fazia, mas fazia e fazia bem feito, com agilidade. Se bem que não era muito dinheiro, quinze reais, mas rapaz, não dá pra deixar para lá.

3 comentários:

  1. Tento captar essas virtualidades, esses fluxos de tua obra, que ao passar por mim, ou, pelo que estou sendo, me leva às coisas, aos acontecimentos, com a intensidade e o lirismo que, em mim, elas re/produzem...


    Abraço cordial, Poeta.
    Bom saber que andas a des/enraizar novas palavras, saberes, olhares.

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  2. Dauri, obrigada pelo céu de estrelas. Feliz Natal para você. Desejo sempre muita paciência, discernimento, para todos os seus dias.

    Já li o texto, mas sempre precisa ser relido.

    um abraço fraterno.

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  3. O sonho É isto que se amontoa e que com paciência se constrói. A dívida é algo a ser pago... e o azul do céu e do mar é mesmo azul?
    Pouco importa porque a vida é dura como o ferro sob os pés quando se atravessa e os sonhos são nuvens e as palavras são pipocas que estouram por aí.

    Sigo lendo e vendo desertos e tribos povoando o mundo.

    um beijo

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